No universo da inclusão e acessibilidade, os cães-guia desempenham um papel fundamental, proporcionando independência e segurança para pessoas com deficiência visual. Mas, antes de se tornarem companheiros inseparáveis, esses cães passam por um processo rigoroso de treinamento e socialização. É nesse contexto que entra a figura dos tutores, pessoas que, por um período, acolhem e preparam esses animais para sua futura missão.
Hoje, conversamos com Meire, uma mulher que aceitou a responsabilidade e o privilégio de ser tutora de um cão que mais tarde se tornaria os olhos de alguém. Nesta entrevista, Meire compartilha sua experiência, os desafios e as recompensas de participar de uma jornada tão transformadora.
Vamos descobrir como foi essa vivência e as lições que ela aprendeu ao lado de seu fiel companheiro de quatro patas.
AV. Como você decidiu se tornar tutora de um cão que seria treinado para acompanhar uma pessoa com deficiência visual?
MM. Tomei essa decisão pois enxerguei como uma forma de participar e contribuir positivamente para inclusão social. Busco ter consciência do meu papel na sociedade e deixar um registro na vida de alguém. Além disso, ou apaixonada por animais e crianças, acredito na inocência dos mesmos, então a escolha de ser voluntária para família socializadora veio desses princípios, desejos e paixões.
MM. No primeiro momento, recebi uma foto com um cão com nome de Jason, na hora fiquei pensando na figura que o nome me remetia rsrs… No dia seguinte, o Instituto me encaminhou uma foto de um cão chamado Café, que tinha passado pela experiencia de ter uma família, que acabou desistido. O Café era meio desengonçado e tímido, mas, apesar disso, não pensei duas vezes. “vai ser o Café, com certeza”, eu afirmava para mim mesma. Quando fui busca-lo no Instituto, fiquei com mais medo que ele, parecia que eu tinha tido um bebe e saído da maternidade, sem saber o que fazer… Disse para ele no carro: “Agora vai ser eu e você”.
AV. Como foi o processo de adaptação, tanto para você quanto para o cão, nos primeiros dias?
MM. Na primeira noite, foi tiro porrada e bomba rsrs. Ele fez cocô, xixi e estava tão nervoso quanto eu. Apesar do choque, aos poucos fui me adaptando e construindo uma rotina junto a ele, acordava 30min antes de costume e, antes de mais nada, levava ele para fazer suas necessidades e dar uma voltinha na rua no prédio onde morava. Em seguida, dava sua comida, fazia sua higiene pessoal, desde escovar os dentes ate os pelos, e depois disso, começava minha rotina com meus filhos.
AV. Quais foram as responsabilidades diárias que você assumiu durante o período como tutora?
MM. O cão-guia não e um pet, então busquei ter muita consciência no processo todo, até mesmo porque envolve muitas pessoas, desde a assistência do Instituto, até os funcionários e por final, a pessoa que vai receber o cachorro. Na minha sala tinha uma caixa de transporte bem grande onde o Café dormia, tirei os objetos perigosos, instalei telas nas janelas, protetores nas tomadas, tomei cuidados com alimentos na mesa, produtos de limpeza, etc.
MM. A rotina e a vida mudam muito, ir em todos os lugares com uma mochila, com colete, água, apito, guia, pote e sacola para higiene… O Café era muito rueiro então saímos muito, ir no mercado segurando a guia e o carrinho, enquanto ensinava ele a ficar parado era uma tarefa desafiadora, até mesmo porque as pessoas param para mexer com o cão. Ademais, ser barrada nos lugares e ter que mostrar a carteirinha também era um impasse, varias vezes um motorista de aplicativo desistia da corrida, houveram lugares que as pessoas não aceitam por conta dos pelos. Outros aspectos da rotina eram ir em consultas periódicas no Instituto, leva-lo em treinos mensais, em lugares públicos com a equipe de treinamento do Instituto, que sempre foram desafiadores. Tinha muito orgulho em cada etapa que o café superava, nos lugares públicos tinham imprevistos como um coco ou xixi, teve ate no elevador do prédio, fiquei apavorada e não sabia se limpava ou levava na rua antes dos moradores do prédio reclamarem, houve um morador na ocasião que reclamou dos pelos, eu porque transitava muito com ele na área comum. Tudo tirávamos de letra, nunca foi um impedidor ou desanimador, e sim, fazia e treinava com muita garra.
MM. Eu conversava muito com o Café, nos entendíamos pelo olhar, ele sabia pelo meu olhar quando era sério rsrs. Sabia quando estava para ir em um treinamento e / ou qualquer situação que não dava para brincar, ou quando eu estava com pressa. Assim que saíamos dos treinos, comemorávamos muito, tirava o seu colete e cantava a música do Gonzaguinha ‘O Que É, O que É’.
AV. Houve algum momento marcante ou emocionante durante o tempo em que você foi tutora?
MM. Muitos… Ele separava qualquer conflito em casa, uma fomos para a praia e meu filho mais novo foi dentro da caixa de transporte do Café por falta de espaço. Ele não me deixava triste, vinha ao meu lado e me animava com uma lambida, tomamos chuva, fomos passear de trem. E ainda, teve uma vez que ele empacou em frente a uma padaria, querendo entrar, e eu estava sem colete. Ficamos por uns 40min lá, ele só saiu quando viu que ia chover. Já aconteceu de ter deixado de comer em almoços para ficar com ele, preocupada se ele ia ficar com fome porque não era hora da comida.
MM. Sim, a todo momento. O espaço físico do Instituto, um canal via telefone e assistência medica no caso de algum contratempo aos finais de semana, toda a assistência com custo de medicamentos, higiene, consultas e alimento. Todas essas questões são providas pelo Instituto.
MM. Impensável, só de imaginar ficava com o coração partido, o Café me deixou assim rsrsrs. Mas, sabia a todo momento que o proposito de tudo seria esse e fiz com muito amor e carinho, sabia que eu seria somente uma ferramenta no processo todo. No dia de entrega-lo, avisei que seria nosso ultimo passeio e ele me olhava, como se entendesse. Choro até hoje, quando fui leva-lo no Instituto, coloquei a música do Gonzaguinha no carro e ele pulou no meu colo… Imagina como me senti rsrsrs. Ao longo do processo, logo em seguida ele vai para um centro de treinamento e o Café foi para o Rio de Janeiro. Ficava ansiosa para receber noticias de como ele estava evoluindo, cada vídeo e ligação era um calmante para meu coração. Logo recebi a notícia que ele tinha passado pelo processo seletivo para ser cão guia, não sabia se ficava feliz ou triste. No mesmo mês ele estava voltando para Sorocaba SP. Ia passar pelo processo de adaptação com a nova tutora, quando me ligaram para falar da Maria, uma moça jovem que gosta de música, arte e que era descolada. Fiquei contente, porque sabia que o café ia se adaptar. No mesmo mês, estava passando pela rua aqui em Sorocaba e vi os dois em treinamento, tive vontade de parar o carro, e ir dar uns agarros nele, mas fiquei muito distante, só observando para não tirar a concentração dos dois. Fiquei muito feliz e satisfeita quando vi os dois caminhando senti que ia dar certo.
AV. Que lições ou aprendizados você levou dessa experiência como tutora?
MM. Pude expandir minha consciência como ser humano, das dificuldades e falta de acessibilidade nas vias e mal planejamento para o deficiente visual em todos lugares, ruas, comercio, transportes.
MM. Ate o momento, nunca fiz nada que me desse tanta satisfação como socializar o Café, aprendi muito, é um processo de amor continuo e evolução.
MM. Faça, acredite, a família precisa mais do cão do que o cão da família. Todos aprendem a ter consciência de responsabilidades, amor, resiliência, espontaneidade, liderança e proteção. O café tem um espirito sensível e protetor ao mesmo tempo, conviver com ele, por conta desse jeitinho, foi muito gostoso e engrandecedor.
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