Entrevista com Cristine Takuá
De olho no mundo

ENTREVISTA COM CRISTINE TAKUÁ

A EXTRAORDINÁRIA INDÍGENA CRISTINE TAKUÁ

Foi uma longa conversa, que durou uma semana, até que a suave voz de Cristine chegasse por áudio no meu WhatsApp. Sinal dos tempos!

Educadora, filósofa, artesã e mãe de dois meninos, Cristine Takuá,  vive na aldeia Rio Silveira, terra do povo Guarani, em meio a mata Atlântica ao norte do litoral Paulista.

Ativa e politizada, Cristine também faz parte do grupo de educação indígena da Secretaria de Educação de São Paulo e é membro fundadora do Fórum de articulação dos professores indígenas, do Estado de São Paulo.

A visão de Cristine sobre educação é holística e generosa. Pensa a educação como um sistema próprio que valorize as tradições de seu povo. Ela situa geograficamente as salas de aula num espaço criativo sem limites: “ Para mim a verdadeira escola  é a floresta viva, a escola viva. Eu tenho esse pensamento  de que esse pilar, essa forma de transmissão dos saberes e dos fazeres são fundamentais na formação das nossas crianças. As nossas crianças e jovens, para a gente efetivar uma educação verdadeiramente útil, tem que estar comprometida com uma ética maior, de comprometimento com a vida, a gente pensa que a própria natureza é a nossa escola.”

Entramos nesse ponto da entrevista na questão da luta de Cristine e de todos povos indígenas pela manutenção de seus territórios. Também estou curiosa para saber como ela enxerga a relação ambiental do homem com o Planeta…

 

MUDANÇA DE HÁBITOS

“Nós estamos vivendo um momento em que nossa Terra sagrada, nossa mãe que nos acolhe está sendo totalmente desequilibrada pelo descompasso humano. E isso,  vem de longos séculos. Eu sempre falo do estupro da Terra”

A  preocupação de Cristine expressa grande lucidez.                    Diz ela: “ A sensação que nos dá às vezes é que a Terra está nos deixando órfãos de tanto que nós a machucamos…Não somos somente nós humanos que pisamos nessa morada terrestre que é  a Terra, e sim, um conjunto de seres visíveis e invisíveis, como os vegetais, animais e minerais. Sem a terra preservada, sem uma floresta,  valores como a espiritualidade, as tradições,  a educação e a cultura não sobrevivem.”

Como mudar isso, pergunto?

A resposta, acho que todos nós conhecemos: “Repensar  o nosso consumo. Repensar os nossos padrões de organização dentro da nossa própria casa. A prática da micro política dia a dia, que é cuidar do nosso terreiro, cuidar do nosso lixo. Repensar muitas coisas que hoje estão estabelecidas por esse capitalismo, desde o consumo de remédios alopáticos, até o consumo de fraldas e absorventes.                    A mudança de hábitos é o caminho para uma possível transformação ética. “

 

A MEDICINA DAS PLANTAS

Ao longo da nossa história quantas doenças dizimaram nações indígenas no contato com o homem branco? Doenças como sarampo, varíola, febre amarela e até mesmo a gripe diminuíram drasticamente os povos nativos. De acordo com a Funai , Fundação Nacional do índio, os 3 milhões de indígenas que existiam, caíram para 750 mil como resultado de doenças, diante das quais eles não possuíam imunidade.

Como os indígenas espalhados pelo vasto território brasileiro enfrentaram tantas endemias e pandemias?

A cura para muitas doenças ainda vem das florestas, explica Cristine.

“ Nos últimos tempos, a gente tem observado uma busca, uma procura maior dos não indígenas pelo conhecimento ancestral do uso das plantas medicinais. Esse é  um conhecimento precioso de saber cuidar do próprio corpo, de saber conhecer as plantas e para que servem. Esse é o grande motivo pelo qual os povos indígenas vem defendendo a vida das florestas.”

 

AS PARTEIRAS QUE NOS ENSINAM

E se a cura pelas plantas é um conhecimento compartilhado e passado de geração a geração,  não acontece diferente na hora em que um bebezinho está para nascer.      As parteiras nas comunidades  indígenas são respeitadas e reverenciadas pelo ofício que desempenham.

A  sogra de Cristine foi uma delas e tinha grande representatividade.  Veja o que a Educadora conta sobre o assunto: “ O ser parteira é um conhecimento tradicional muito poderoso, transmitido de avó e mãe para filha. Isso, para que esse saber nunca se acabe e nem se dissolva. E de certa forma, esse saber tem contribuído com a sociedade brasileira sobre as boas maneiras de vir ao mundo.”

Verdade seja dita, vemos iniciativas como os partos humanizados em hospitais, os cantos e danças nas maternidades públicas do país para auxiliar na dilatação das futuras mães, e as doulas ajudando nas casas, como uma busca, um resgate ( quem sabe? ) dos saberes tradicionais dos nossos irmãos indígenas.

 

A ESPIRITUALIDADE QUE SUSTENTA

E de onde vem essa força,  essa capacidade de resistir depois de cinco séculos de abusos, desrespeito e violências contra os nativos brasileiros, os indígenas?

“É a espiritualidade que nos mantém vivos. Há uma resistência muito grande dos Povos Guarani. A gente ainda segue segurando os nossos instrumentos sagrados como  o chocalho. Entoando cantos sagrados com as crianças.  Essa espiritualidade que nos motiva, dá força para seguir lutando e acreditando que é possível. “

A Língua cantada é a base da espiritualidade dos povos Guarani do Brasil, espalhados pelo Mato Grosso, Minas Gerais e São Paulo.            O petenguá,  um cachimbo usado para baforadas ( eles não tragam) com tabaco é o instrumento de conexão usado para a comunicação com o mundo espiritual.

Enquanto a fumaça viaja entre pensamentos e rezas, o elemento espiritual atua, protegendo, cuidando e orientando.

 

A MODA INTUITIVA DE CRISTINE

As cores, colares, pulseiras e brincos dominam o visual de Cristine Takuá. Feminina, ela prepara  seus “looks” que refletem seu modo de ser.

“Eu sempre gostei de cores desde criança. Sigo minhas próprias intuições e meu gosto. Nunca me preocupei muito com essa moda vigente da sociedade. Eu sei que há um sistema da moda que dita o que é certo e errado, mas nunca dei bola para isso.” Resume confiante.

O artesanato que faz parte do processo de educação das crianças está presente fortemente nos vestuário e acessórios de Cristine.

Conta ela: “ Desde pequenas as crianças vão aprendendo com as mães a fazer. Seja um cestinho, uma flecha, um maracá,  seja um colar…Então o processo educativo da criança também passa em saber fazer a sua arte. Confeccionar , buscar o material na mata, a matéria prima usada. “

 

OS VALORES DE CRISTINE, EDUCADORA E MÃE

Estou terminando nossa conversa que,  para mim foi encantadora. Como não admirar uma mulher tão livre, tão plena, segura de si e de seus valores?!

“O valor que acho seja fundamental  não só para os meus filhos, é um respeito ético com a vida, com todas as formas de vida. E esse respeito está relacionado a fazer o que você fala. Esse é o grande desafio. O que sai de nossas palavras tem que estar em compasso com o nosso caminhar.”

Assim, encerra a entrevista, a mulher que por amar o conhecimento e a arte de pensar se tornou uma filósofa da vida!

HA’EVEte, Gratidão Cristine Takuá

Por Priscilla Wilmers Bruce

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